segunda-feira, 18 de abril de 2011

DOCUMENTO HISTÓRICO - ENTREVISTA

Em 1966, no auge da Jovem Guarda, a revista REALIDADE, um marco na história do jornalismo brasileiro, destacou o repórter Narciso Kalili para investigar o maior fenômeno musical de seu tempo. Abaixo, a íntegra do extraordinário documento.
VEJAM QUEM CHEGOU DE REPENTE
Reportagem de Narciso Kalili - Matéria publicada na revista Bizz Especial sobre os 70 anos do Rei Roberto Carlos
UM MOÇO DE 23 ANOS COMANDA A REVOLUÇÃO DA JUVENTUDE
Agradecimento Especial: Thiago Salim


Cai uma flor no palco. O cantor se curva, apanha-a, olha para a platéia, e leva a flor aos lábios. É delírio. As meninas aplaudem, gritam, os rapazes assobiam. Uma jovem de 14 anos chora, enrolando nos dedos nervosamente um lenço branco amarrotado. O cantor diz duas frases cheias de gíria, abaixa a cabeça até a altura dos joelhos, estica o braço e anuncia:
- O meu amigo, Erasmo Carlos. O anunciado entra no palco e abraça o cantor, debaixo da barulheira das guitarras elétricas, bateria, palmas e o coro de vozes femininas:
- Esso, esso, esso, Roberto é um sucesso!
Roberto Carlos se retira para que seu amigo cante. Mas volta 4 minutos depois, e tudo se repete. Da primeira fila, uma mocinha sardenta grita, de pé:
- Eu não aguento. Ele é demais. Roberto, eu te amo!
Na mesma hora, longe do teatro mas ainda em São Paulo, na igreja Batista de Santo Amaro, o pastor dirige-se aos fiéis:
- Os que sabem cantar o hino levantem o braço.
Entre os que obedecem, o pastor escolhe um garoto de 6 anos, muito sério, terninho novo:
- Venha cantar aqui na frente.
O orgão toca as notas iniciais e o menino, compenetrado:
- Eu ontem fui à festa, na casa do Bolinha...
A outra cena se passa num apartamento, no centro da cidade. São quatro e meia da tarde, um domingo.
- Vovó, a Jovem Guarda. Vai começar, vem logo!
A senhora deixa a água do café no fogo e vem para a sala. Aumenta um pouquinho o som da televisão e senta-se no sofá, entre os netos que estão de olhos grudados na imagem.
- Ói ele, vó, o Roberto Carlos!
A velha senhora ri, aaranja a saia e, discretamente, começa a bater o pé no chão, acompanhando o ritmo da música. A frase sai quase num suspiro:
- Que moço simpático...
Esse moço simpático já vendeu mais de um milhão de discos e é hoje uma das personalidades mais comentadas em todo o país. Suas músicas de ié-ié-ié são assobiadas, dançadas e cantaroladas de norte a sul.
Nunca um cantor vendeu tantos discos no Brasil e nunca uma música mexeu tanto com a juventude.
A professora Corinta Accioly, diretora de um dos colégios mais importantes de São Paulo, diz que acabou gostando de ié-ié-ié.
- A primeira vez que assisti ao programa de Roberto Carlos na televisão, fiquei um tanto chocada: os gestos pouco elegantes, os cabelos... Mas depois, ouvindo as crianças cantar suas canções, percebi que as palavras usadas são bonitas, meigas e não têm nada de pernicioso para os jovens. Claro, os cabelos ficariam melhor um pouco mais curtos.

O BALANÇO DAS CABELEIRAS

Uma psicológa norte-americana - Joyce Brother -, preocupada com os Beatles, afirma a respeito de suas roupas e seus modos:
- Eles adotam certos maneirismos que beiram os limites do feminino, como aquele balanço que dão às suas vastas cabeleiras. E são exatamente esses maneirismos que parecem atrair mais a sua legião de fãs femeninas mais jovens, da idade entre os 10 e os 14 anos. E isso porque, logo no início da adolescência a menina acha mais atraentes as características delicadas e femeninas do que as atitudes másculas. A explicação parece ser o fato de que esses jovens projetos de mulher ainda se aterrorizam com a idéia de sexo. Então sentem-se mais seguras amando figuras não muito definidas, não claramente masculinas. Os proóprios Beatles não se consideram atraentes em relação às moças. Ringo, o mais destacado do grupo, usa uma quantidade enorme de jóias vistosas.
Quando o rock'n'roll chegou ao Brasil, em 1965, com os discos de Bill Halley e seus Cometas, os sociólogos e psicológas ganharam um problema que já proecupava grande parte de seus colegas no resto do mundo. A juventude brasileira adotou não só o rock, mas as atitudes e filosofia dos cantores estados-unidense. Com o tempo, os jovens substituíram o rock pelo twist e depois pelo hully-gully com uma rápida passagem por Elvis Presley.
Até que surgiram os Beatles com o ié-ié-ié. E o que era mania de apenas uma parte da juventude transformou-se em obsessão e fenômeno social. Apareceu então Roberto Carlos, cantando. O Callhambeque foi o grande início, e em setembro de 1965, nascia em São Paulo uma revolução: o programa Jovem Guarda.
Em poucos meses, os Beatles davam lugar a Roberto Carlos e Erasmo Carlos nas paradas de sucesso. Em Paris, O Calhambeque chegou a ser o segundo disco mais vendido. Portugal, Angola, Argentina, Uruguai, México e outros países começaram a ouvir Roberto Carlos. E nos países latino-americanos O Calhambeque conseguiu quase tanta fama quanto Tico-Tico no Fubá ou Aquarela do Brasil.
De um dia para outro, surgiram mais de dois mil conjuntos de ié-ié-ié. Em São Paulo e no Rio, a televisão criou horários especiais e as empresas gravadoras de discos montaram, às pressas, departamentos para atender a procura da nova música.
O programa de Roberto Carlos, na TV tem a maior audiência no horário. O videotape desse programa, Jovem Guarda, vale ouro e faz sucesso em cinco capitais: Belo Horizonte, Rio, Recife, Porto Alegre e Curitiba, fora as cidades que estão em rede com as emissoras. Calcula-se que a audiência de cada programa vá além dos dois milhões e meio de espectadores.
Estações de rádo também montaram seus programas de ié-ié-ié e o sucesso se alastra, como o fogo posto numa montanha de palitos de fósforo. No auditório, no teatro, em casa, as crianças e os jovens acompanham os cantores, nas músicas e nos gestos: o balanço do corpo, os tapas nas coxas, os punhos fechados dando voltas sobre si mesmos, os passos curtos e ligeiros.

A JOVEM GUARDA


As músicas com as letras são simples. Erasmo Carlos, o compositor de maior sucesso e segunda figura do ié-ié-ié brasileiro, não conhece uma nota.
Nem é necessário ter voz. Quando Wanderléa que completa o trio de maior êxito, canta baixinho e voz esganiçada, o teatro ganha seus únicos momentos de silêncio. De calças pretas bem justas, camisa e botinhas pretas também, Wanderléa é a cantora que tem menos voz e mais sensualidade. Seus gestos são provocantes, os rapazes os acompanham de boca entreaberta e, no final de cada número, os assobios abafam os aplausos. Sua maior rival é Rosemary, que luta com as armas de menina meiga e inocente.
Entre os cantores, Jerry Adriani é o terceiro nome e, na área romântica, Wanderley Cardoso consegue grande audiência juvenil.
O conjunto musical mais importante é Os Incríveis. Depois, todos com nomes ingleses, vêm Renato e seus Blue Caps, os Jet Blacks, os Beatles. Dos conjuntos vocais, o Trio Esperança e os Golden Boys são os mais famosos.
Antes de cantar ou apresentar um dos artistas do programa Jovem Guarda, Roberto Carlos sempre solta a frase que hoje é repetida em todo canto: "É uma brasa, mora!"
Na própria televisão, as lojas anunciam: " Está uma brasa a nossa liquidação". O colunista social Tavares de Miranda adotou a frase: " Quando Hélio Muniz de Sousa sorri, é uma brasa". O anúncio da nova peça de Dercy Gonçalves diz: " Cocó, My Darling, hoje, mora, é uma brasa". Uma churrascaria no centro de São Paulo escreveu na vitrina: " Aqui o churrasco é feito na brasa, mora!". E a TV Record já usou um tom de piada o slogan: "Brasorum est, moratbus".
Em Divinopólis, Minas Gerais, uma jovem de 16 anos escreveu uma carta: " Roberto querido, depois que ouvi a sua voz, fiz um juramento: serei fiel a você até a morte. Nunca mais vou namorar. Você é bárbaro".
Roberto Carlos transformou-se no símbolo da juventude que se identidifica com o ié-ié-ié. A devoção ao novo ídolo chega a extremos. As mocinhas o cercam e, a cada show, mas capitais ou no interior, é necessário um esquema de segurança para protegê-lo.
A base de seu sucesso continua sendo o teatro Record, em São Paulo.
Depois do programa Jovem Guarda, a polícia põe em prática uma operação na porta do teatro: o Aero-Willys verde do cantor encosta na calçada, bloqueanda a entrada principal: duas filas de soldados formam um corredor de 3 metros de porta do teatro à do carro.

A GRANDE FUGA

Roberto Carlos mede a distância e se atira em direçao ao Aero-Willys. Vidros fechados, portas travadas, o carro começa a receber socos, pontapés, tapas, arranhões. As fãs mais apaixonadas, de idades entre 10 e 16 anos, choram, riem, gritam, acenam, desmaiam, são pisadas, empurradass, apanham dos guardas, mas acompanham o carro até onde não conseguem mais correr. A rua do teatro transforma-se numa praça de guerra, as meninas atrás do cantor, os rapazes atrás das meninas:
- Roberto, eu te adoro!
- Sai daí, menina, você se machuca!
- Roberto, meu anjo!
- Se você continua com isso, termino o namoro, já!
- Não sei por que essa bagunça toda. Ele até que é feio!
- Olha lá, seu guarda. Aquelas meninas estão furando por ali, desça o braço nelas!
- Acho que ele é bonequinha. Com esse cabelão não pode ser homem!
Roberto Carlos tem cabelos crespos, que na sua opinião não agradam as garotas. Por isso, duas horas antes do espetáculo ele usa uma touca feita de meia de mulher. Quando está chegando a hora, penteia-se numa cuidadosa operação onde entra um secador elétrico e que pode durar até 10 minutos. Finalmente toma um gole de Saint Raphael para ganhar coragem e porque " nenhum artista entra em cena sem antes tomar um traquino".
Durante o espetáculo, Roberto usa um atécnica especial para provocar o auditório. Além das palavras-chaves como "mora", "uma brasa", uma lenha", usa gestos: faz de conta que atira granadas, tapando os ouvidos como se ouvir a explosão, beija e abraça as cantoras, dança com elas, apanha todas as flores que são atiradas ao palco.
Suas roupas são coloridas, vistosas. Começou com ternos parecidos com os dos Beatles, paletó sem gola, bolsos diagonais. Depois passou a desenhar o que ia vestir: camisas vermelhas, cor-de-rosa, folgadas, punhos largos, cordões cruzados no peito à moda dos cowboys estados-unidense: calças colantes, cintos de cores berrantes, botinhas de várias cores. Ele diz que é necessário que suas roupas sejam agressivas, mas nunca de mau gosto.
Minutos antes de terminar o show, os guardas cercam o palco para impedir que seja invadido pelas fãs. Depois, Roberto recebe repórteres e fotógrafos no seu camarim - uma revista, ou jornal de cada vez.
Roberto tem 8 empregados, todos com menos de 25 anos.
- São os meus amigos - diz ele. Dedé é baterista e motorista ao mesmo tempo. Bruno, o contrabaixista, está sempre por perto para discutir composições a arranjos musicais. No Rio de Janeiro há duas pessoas tratando o dia inteiro dos negócios do cantor: seu irmão Carlos Alberto e a cunhada. Em São Paulo, os mais importantes são a secretária Edy Silva, que não larga Roberto um instante, e Geraldo Alves, o empresário. Este tem dois auxiliares no escritório movimentado, onde não se fala nunca em menos de um milhão. Além dos auxiliares, o cantor tem sempre a sua volta 4 ou 5 rapazes que não recebem nada em troca de sua solicitude. São os bicões:
- Vai me buscar o jornal, ó cara! E o bicho vai comprar revistas, apanhar o terno no alfaiate, chamar um táxi. Os bicões, termo inventado por Roberto Carlos, completam sua corte na sede do grupo em São Paulo ou nas seguidas viagens pelas capitais e interior.

A MARCA DA INFÂNCIA

Foi numa cidade do interior que começou a história de Roberto Carlos, num dia de muito sol e festa, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde ele nasceu no dia 19 de abril de 1941, quarto filho do relojoeiro Robertinho e da costureira Laura.
- Sai daí, Beto, volta pra calçada, que a professora vai ralhar com você.Com medo da professora, o garoto de 6 anos se afastou, das bicicletas que participavam do desfile escolar e foi olhar de longe, perto da linha do trem, distraído, o pé direito sobre o trilho. A fanfarra da escola tocava sem parar e ninguém ouviu a locomotiva avançando. O maquinista tentou frear, não deu tempo. O menino foi arrastado por 10 metros.Renato o lutador de boxe da cidade, atravessou a multidão barulhenta. Não havia um minuto a perder; Beto estava morrendo. Renato apanhou-o nos braços e saiu correndo para o hospital. Mas tarde, na porta da sala de operações, os pais de Beto receberam a notícia.- Está salvo.Não podendo mais participar das peladas e correrias dos amiguinhos. Roberto começou a se interessar por música. Estudou piano e violino, mas largou tudo para se dedicar ao violão. Aos 9 anos cantou pela primeira vez numa estação de rádio em Cachoeiro de Itapemirim. Depois foi para o Rio, aos 12 anos, para estudar. Pensava sempre em música e passando algum tempo uniu-se a outros rapazes, fundando um conjunto vocal. Tão logo terminou o ginásio, foi contratado pela Columbia para substituir Sergio Murilo, cantor de juventude que abandonara a gravadora. Roberto Carlos descobriu que sabia dizer em ritmo de ié-ié-ié o que os jovens queriam ouvir e resolveu compor suas próprias canções. Antes chegou ao sucesso com Splish-Splash, continuou com O Calhambeque. Depois fez A História de um Homem Mau. E não parou mais.Hoje, Roberto Carlos é o rei do ié-ié-ié, adorado pelas garotas, tema obrigatório dos sociólogos, maior sucesso comercial dos últimos tempos (calcula-se que ganha cerca de 100 milhões por mês). Mas não mudou muito em relação ao menino gordinho e briguento em que se transformou depois do acidente de infância. Os olhos de Roberto, inquietos e às vezes sombrios, se iluminam quando fala do passado, embora ele não conte nada com facilidade. Desconversa, foge, chega a ser medroso e desconfiado, sentindo um inimigo em cda desconhecido e fazendo questão de mostrar isso.

CARRÃO QUER DIZER RIQUEZA

O carrão, tema constante de sua vida (hoje ele tem 4 automóveis), é o símbolo da riqueza e do poder:
- Sinto-me um rei dentro do impala.
As garotas estão sempre presentes na vida de Roberto Carlos. Aos beijos e abraços ele marca e desmarca encontros, muda de namorada e sai com 3 ao mesmo tempo. Acorda com Suzi lhe telefonando, almoça com Malena, passa a tarde com Rosinha, janta com Andrea e vai dormir recebendo juras de amor eterno de Vandinha. As meninas que conhece hoje esquece amanhã e não se lembra ter ficado muito tempo com uma namorada só:
- Sou muito leviano. Casamento não é para mim.
Roberto Carlos foi construindo sua imagem aos poucos. Quando gravou O Calhambeque, tinha os cabelos compridos. Mas não usava calças justas nem camisas berrantes.
Elas só apareceram com A História de um Homem Mau, junto com a pulseira de prata que ele não mais tirou do pulso. Nem para tomar banho. Usa dois anés na mão direita. O do dedo mindinho é de ouro e jade. Para ele, homem que usa anéis é mais distinto:
- Barra limpa, mora!
Longe dos palcos, o cantor é displicente com as roupas. Anda de calças rancheiras e camisa esporte que dão um ar mais acentuado de garoto. Não tira as botas de camurça azul. Barbeia-se duaz vezes ao dia, embora tenha pouca barba. E é ele mesmo quem apara seus cabelos, com uma tesoura de ponta igual à dos barbeiros.
Quando canta, seu rosto é o de um anjo malicioso, que conhece mil segredos de sedução, escondidos sob uma ingenuidade desmentida pelos olhos vigilantes. Não gosta de gente muita bonita, procurando em todos alguma coisa que os torne simplesmente "diferentes do resto". Nos homens admira a valentia e a virilidade, traduzindo isso com uma palavra: bandidão. Gosta de mulheres mais velhas que ele:
- Elas me dão segurança e conhecem a vida melhor do que eu.
O encanto indefinido que exerce sobre os joven é um mistério: talvez venha da postura irreverente que adota quando conversa, canta ou simplesmente escuta, lembrando James Dean. Mas a lembrança desaparece no sorriso simpático e cheio de vida. O misto de passividade e agressividade de seu olhar é repentinamente substituído pela vitalidade que explode na voz e na alegria dos gestos e das roupas.
(foto dele jovem)
Roberto Carlos não mostra o mínimo interesse pelo que chama de problemas dos adultos. Nunca ouviu falar de Roberto Campos (ex-ministro na ditadura militar, N. da R.) e reage com ceticismo dos simples quando alguém, por acaso lhe diz que o homem um dia pode chegar à lua. Sua leitura exclusiva são revistas infantis. Não tem a mínima idéia do que seja o Vietnã e do Brasil conhece muito pouco.
Não sabe quem é o governador de Minas Gerais, nem sabe que o Congresso Nacional é formado pela Câmara Federal e pelo Senado. Para ele o importante é "viver a vida": recentemente comprou um apartamento na rua Albuquerque Lins, em São Paulo, onde vai morar com Erasmo Carlos. O apartamento tem três dormitórios, sala enorme, dois banheiros e dependências para empregados. A decoração será suntuosa.
- Vou dar festas de arromba e para receber os convidados já contratei um mordomo de cravo vermelho e tudo.
Enquanto isso não acontece, o quartel-general de Roberto está instalado no quarto 1214 do Lord Hotel, em São Paulo, onde recebe os amigos, os jornalistas e compõe suas músicas. O quarto, sempre em desordem, tem um alvo dependurado na porta do guarda-roupa e o cantor passa horas a fio tentando acertar na mosca. Com setinhas de metal.
Roberto tem paixão pelos esportes motorizados, e gosta de dirigir seu impala, em disparada. Quer comprar uma Ferrari, um Ford GT e um Interlagos. Quando fala em futebol, porém, trinca os dentes, relembrando sempre que ficou de fora nas peladas. “Tenho raiva de bola”.

O PROGRAMA QUE NINGUÉM QUERIA

No dia em que a agência de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi procurou a TV Record para comprar, em nome de um anunciante, o programa Jovem Guarda, o diretor da emissora deu um suspiro de alivio: - Eu estava pagando um dinheirão para Roberto e ainda não conseguira interessar nenhum anunciante no programa. Era setembro de 1965. Os produtores da TV Record haviam chegado à conclusão, pouco tempo antes, de que um programa de ié-ié-ié teria muito sucesso, porque os Beatles era o fenômeno musical do momento. Para comandar o programa pensaram em muita gente até se fixarem num jovem rapaz que fazia e cantava músicas que a juventude andava repetindo: - Quanto você quer para fazer Jovem Guarda? “Seis milhões de cruzeiros por mês”. O diretor espantou-se e disse que somente daria um milhão e meio. Discutiram durante uma hora. No fim, Roberto assinou. Receberia 4 milhões mensais. E teria ainda 20% da bilheteria do teatro Record, uma porcentagem na venda dos videotapes para outras emissoras, passagens de avião e liberdade para assinar outro contrato no Rio. Com o horário comprado, a agência de publicidade levou ao anunciante o programa encomendado e recebeu uma resposta surpreendente: “Esse negócio de juventude é negativo. Vocês sabem, playboys, transviados. Pensando bem, não seria boa recomendação para os nossos produtos. Achamos melhor cancelar o programa”. Como ninguém mais se interessava, os homens da agência resolveram: “Vamos nós mesmos patrocinar”. A partir da decisão, as idéias foram surgindo. Um contrato feito com Roberto Carlos levou-os a criação de uma empresa que cede a marca Calhambeque as indústrias fabricantes de certos produtos, mediante pagamento de royalties. Os sócios da nova firma - a agência de publicidade do cantor - decidiram que os produtos a serem fabricados seriam calças e salas, no estilo dos blue-jeans norte-americanos, modificadas por Roberto.
Em cada programa, o cantor repetia: “Calhambeque vem aí, é uma brasa, mora!” E os resultados superararam todas as perspectivas. Poucas semanas depois do lançamento, o fabricante do tecido utilizado nos modelos chegou à produção de 200 mil metros mensais. Em 4 meses, com a criação de novos produtos - camisas, sapatilhas, chapéus, chaveiros, cintos -, a venda atingia 350 mil peças. Sem contar os novos produtos que estão sendo lançados - roupas de inverno, refrigerantes, acessórios para automóveis, bolsas,artigos escolares -, Roberto Carlos passou a receber, em média de 15 a 20 milhões de cruzeiros mensais em royalties. No dia seguinte a cada programa de Roberto, os donos de lojas ouvem seguidas vezes a mesma pergunta: “O senhor tem um boné igual aquele que o Roberto Carlos usou ontem?”

SALÁRIO DE 8 MILHÕES

E por tudo isso que em fevereiro, quando Roberto foi chamado para renovar seu contrato com a TV record, saiu da sala com 8 milhões de cruzeiros mensais e as mesmas vantagens do contrato anterior. Logo, em seguida, chegou o convite inevitável: “Queremos fazer um filme sobre Roberto Carlos”. A proposta era de Luis Sergio Person, que dirigiu São Paulo S.A. Pouco tempo depois, estava fundada mais uma empresa da qual Roberto era um dos sócios principais: a Jovem Guarda Produções, que fará um filme sobre o ié-ié-ié no Brasil e, com a renda obtida, dedicar-se à produção de outras fitas.

Também uma empresa de histórias em quadrinhos resolveu aproveitar o sucesso do ié-ié-ié. Propôs e viu aceita a criação de uma revista com o nome de Jovem Guarda que sairá neste mês. Vai contar as aventuras da turma do ié-ié-ié, usando a linguagem e filosofia da vida de seus cantores. Os argumentos de algumas historietas são do próprio Roberto. Para tratar de todos esses negócios, o cantor reune-se com os sócios na sede da agência, onde já tem lugar reservado na cabeceira da mesa de reuniões. Ele ouve mais do que fala. Sempre desenhando no bloco de papéis que está à sua frente, principalmente carros de corrida. Fica contentíssimo quando um dos diretores da agência o chama de sócio, ou quando nas discussões é apontado apenas com as inicias RC. Como nos filmes americanos. Suas opiniões são definitivas: “Não sei não, cara. Não gosto disso, não”. Sua filosofia comercial é imediatista, como tudo o que faz. E ele a repete a todos que lhe vêm propor negócios: “Investimento que não der 50% de lucro não é papo pra mim”. Duas vezes por mês, entretanto. Roberto dá shows beneficientes nas capitais ou em pequenas cidades do interior, sempre com renda destinada às crianças. Ajuda também os colegas, principalmente os que estão começando. E, enquanto balança o corpo ao ritmo do é-ié-ié, na boate Cave de São Paulo ou no Le Bateu do Rio, Roberto Carlos talvez se lembre dos tempos em que sua atual secretária, Edy Silva, vivia nos corredores da televisão, suplicando aos produtores: - Por favor, bota o Roberto Carlos em seu programa. Ele vem cantar até de graça. Por favor.

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